sábado, janeiro 29, 2005

Um texto antigo, nada original e meio pernóstico sobre dirigir

Me falaram que escrever é terapêutico...Mentira! Escrever não é uma terapia, não é catártico e nem ao menos analgésico. As pautas da folha em branco só aumentam minha ansiedade e eu não consigo concatenar meus pensamentos de frente para a tela sempre brilhante de um computador. O que funciona para mim é andar. Rápido. A noventa quilômetros por hora em média, os pensamentos fluem com maior facilidade, eu esquematizo idéias, elaboro frases de efeito, rearranjo minha vidinha de forma mais aprazível para mim.

Cortando a madrugada silenciosa de um meio de semana típico, apático, indo e vindo em alta velocidade sem nunca precisar respeitar coisa alguma. Cruzando a zona sul, norte, voltando até a zona oeste, indo por centro da cidade, observando ela dormir. Eu quero ser o oposto de qualquer romancista pós-revolução industrial. Pau no cu do flaneur! Não quero entrar em contato com a gente dessa (ou de qualquer outra) cidade, nem me misturar à massa. Prefiro assisti-la de longe, pela segurança confortável da janela de um carro. Mendigos, putas, bêbados, travestis, taxistas que conversam, casais de namorados que se bolinam no escuro e velhos no seu cooper solitário... Toda a sorte de tipos estranhos, alguns policiais e alguns loucos também.

Silenciosamene adentro as ruas e as vielas mais escuras trilhando trajetos desconhecidos, não me furtando a me embrenhar pelos caminhos mais assustadores e menos previsíveis. As ruas de Copacabana têm muito mais personalidade que as avenidas largas apinhadas de ícones capitalistas de neon da Barra. As vielas quase desertas do Centro convidam ao crime, enquanto as sombrias e familiares ruas da Urca parecem querer te expulsar de lá.

A estrada, a seta que aponta sempre para frente. Essa é minha única saída, minha única certeza.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

O MERCADO DE TRABALHO É UMA PRAÇA DE GUERRA

“Faz duas semanas que estou aqui, acho eu, padecendo nessa trincheira, enlouquecendo aos poucos. Não posso afirmar quantos dias se passaram ao certo, pois eu deixei de contar depois da terceira noite e algumas manhãs são tão escuras que é impossível distinguir se já é dia ou uma madrugada perene. Desde que nossos generais bateram as botas em retirada, o inimigo não aparece mais sob a linha de combate. Sobramos nós aqui, sozinhos. Então, sem ter o que fazer, decidimos lutar contra nós mesmos. Matamos uns aos outros para o tempo correr mais depressa”.

Essa filha da puta pensa que me engana! Eu posso ler o escárnio no seu sorriso de canto de boca, posso perceber o que seus olhinhos apertados estão tramando! Ela está contra mim, ela está contra mim, estão todos contra mim aqui nessa merda de escritório... Mas que se fodam todos eles! Enquanto eu estiver aqui, seguro na minha baia, de frente para o meu computador, eles não podem fazer nada comigo.


Merda, ela levantou, foi falar com a chefe. E a chefe adora ela, não adora? Óbvio, é uma besta quadrada! Burra, não vê que todos eles estão maquinando sua derrocada? Eu vi quando a recruta passou com a bandeja de café e sorrateiramente pingou duas gotas de cianureto na xícara da chefe. Eu poderia ir até lá com minha AR-15, subir na mesa, metralhar todos os conspiradores e salvá-la. Com certeza assim eu seria efetivado.

Bah... Mas o que é que eu estou querendo? Ser um capacho a vida inteira? Não, minha missão aqui é clara, conquistar vinte e quatro territórios à minha escolha. O bandejão, o almoxarifado, o arquivo e o pessoal da portaria já são meus. Essa é a melhor maneira de se iniciar uma insurreição, amealhando os mais humildes, aqueles que são tão dispensáveis para eles quanto você, mas que se encontram num patamar ainda mais inferior que o seu. É, um dia eu vou me levantar dessa cadeira, sair da minha baia e marchar vitorioso até a sala da chefia, os traidores que tentem me apunhalar pelas costas para verem o que é bom pra tosse, hehe!

Sinto dores que começam na cabeça e se espalham por todo meu corpo. É como se cada poro da minha pele estivesse berrando. E os suores e as alucinações e as palpitações noturnas. Eu devia estar mais alerta, deixei que um estilhaço de granada atingisse minha coxa direita num confronto com o inimigo. Droga, como não percebi que ela se esgueirava por entre as máquinas de xerox? Quem foi o idiota que fez o uniforme dos inimigos em tons de bege e cinza? Assim eles estão sempre camuflados entre a mobília e maquinário velho dessa redação. Talvez o mesmo idiota que tenha feito o meu uniforme em tons de bege e cinza também...
Estarei ficando paranóico? Não tenho mais aliados, perdi o pessoal do bandejão, do almoxarifado, até mesmo a brava e fiel resistência do arquivo. Ratos!!! Eu ficarei aqui, sozinho, tenho 17 balas e um fuzil, eu posso me virar sozinho, eles não vão me destruir, não, não vão...

Escutei uma explosão ao fundo, as luzes se apagaram, caiu o sistema! O CAOS!!!! Era o que eu estava esperando, minha hora de atacar! Peguei meu fuzil, tive que fazer muito esforço para rastejar em direção a sala da chefia, o estilhaço de bala infeccionou minha coxa e acabou por gangrena-la. Mas não seria uma perna gangrenada e essa febre alucinante que me impediriam de continuar minha missão. Matar meu chefe, me tornar um novo chefe. Essa é a única vitória possível nessa merda de mercado de trabalho.

Agora estou aqui, caído de costas, a bunda pra cima, tremendo, patético, com uma faca encravada nas costas. Na escuridão, a caminho do meu alvo, não notei que alguém mais rápido, mais esperto e mais dissimulado me seguia. Um golpe fundo e eu sou história, vou ficar estirado aqui, esperando todo o resto de energia ser drenada do meu corpo pouco a pouco enquanto alguém continua nesse jogo.
Game Over, até a próxima facada.