sexta-feira, outubro 26, 2007

Relacionamentos x Churrascarias rodízio

Não se sabe que lógica seguiu Carlos Eduardo quando ele convitou Maitê para um jantar planejando confessar-lhe sua incapacidade de comprometimento. Não que usar um restaurante como cenário para dar fim a um relacionamento fosse algo inédito ou paticularmente estúpido, a infelicidade de Carlos foi escolher logo uma churrascaria rodízio. De tantos lugares menos populares, mais discretos e menos invasivos, Carlos achou por bem ter "aquela conversa séria" num domingo de tarde no Porcão do Flamengo. Ok, a seu favor é preciso admitir que o restaurante escolhido camuflou perfeitamente a inteção para Maitê, que foi totalmente desarmada. O que fazer, o homem não vivia sem aquele corte de maminha mal-passada com gordurinha...

Sentaram-se e mal começaram a conversar quando a mesa foi entupida de cestinhas de pães, azeitonas, manteiga, geléia e ovos de cordorna. Carlos Eduardo segurou as mãos de Maitê e em tom grave lhe disse aproximando seu rosto do dela:
- Te trouxe aqui porque precisava te falar uma coisa...
- Os senhores vão beber o quê? - quis saber um garçom, não o mesmo que havia trazido o couvert.
- Ahn... Ainda não sabemos, tá? - retrucou Carlos Eduardo, voltando sua atenção para Maitê que começava a demonstrar sinais de ansiedade e desconfiança:
- Você sabe, amor, quando nos conhecemos eu estava numa fase conturbada e foi muito saudável ter engatado um romance, mas... Vem cá, o senhor vai ficar aqui ouvindo nossa conversa? - exasperou-se Carlos Eduardo ao notar que o garçom continuava ali prostrado, caderninho em mãos, pronto para anotar os pedidos de bebida.
- Perdão, senhor?
- Quero saber se o senhor vai ficar aqui escutando o que eu tenho pra falar pra minha namorada!?
- Bem, é que os senhores... vocês ainda não disseram o que vão beber.
- É porque a gente ainda não sabe, pode ir!
- São normas da casa, senhor, me desculpe. Eu só posso deixar a mesa depois que vocês escolherem suas bebidas.
- Tá bom!!! Porra... Sei lá, me traz uma água tônica com limão e o que? Um suquinho de laranja pra você, amor? ...Um suco de laranja pra ela, por favor.

O garçom finalmente pôde deixar a lateral da mesa e Carlos Eduardo pode voltar a falar para Maitê que foi uma fase difícil da vida dele, que ele estava precisando de segurança naquele momento e tê-la encontrado foi ótimo, mas que a verdade dos fatos é que era da natureza dele ser um homemem mais...
- Linguiça, senhor?
- Não, obrigado!
Enfim, ser um homem mais livre. "Não, não você me prenda, Maitê, não estou dizendo isso, por favor!", mas é que Carlos precisava se sentir um pouco mais leve e devido a isso, ele achava que o melhor seria...
- Maminha de alcatra?
- Opa, essa eu vou, hein? Maitê, meu amor, prova que essa maminha deles é divina. Pra mim pode cortar com um pouco de gordura, tá?
Era simplesmente impossível que Carlos Eduardo falasse sobre sua natureza e destrinchasse as suculentas fatias de maminha ao mesmo tempo, então, optou por se concentrar em paenas mastigar a carne, enquanto baixava à mesa aquele irritante som de garfos e facas batendo no prato e travessas de acompanhamento sendo passadas de um lado da mesa para o outro. Maitê também calada, mastigava seus pequeninos pedaços desconfiada, quase se tocar no suco.

Quando já havia limpado o prato de farofa, maminha, molho à campanha e umas três fatias de picanha que um garçom jogou-lhe no prato sem perguntar nada, se sentiu motivado novamente a explicar a situação para sua namorada:
- Então, do que a gente tava falando mesmo? Ah é, bom, o negócio é esse, sou eu mesmo. Não é clichê, é que eu sou assim, de verdade, é minha natureza. Eu não sou homem de uma mulher só, Maitê!
A frase saiu da boca de Carlos Eduardo penetrando os ouvidos de Maitê em slow motion e engasgando junto com os últimos pedaços da picanha (que o garçom também jogou-lhe no prato sem permissão) em sua garganta. Era como se para ela, naquele momento, só houvesse a boca de Carlos emporcalhada de gordura e farofa a se mover vagarosamente, vomitando aquela frase tenebrosa. Maitê desabou em um choro convulsivo.
- Que isso, amor?! Não, por favor, não faz isso, vai... Você sabe que eu não suporto ver mulher chorando - O pedido só fazia Maitê chorar ainda mais.
- Eu... eu não acredito! - soluçava a namorada, chorando sobre a travessa de bananas fritas.
- Pára Maitê, não faz assim! Olha, me ouve, vai... Você precisa entender... - Carlos implorava na tentativa de que sua namorada chamasse um pouco menos de atenção no salão da churrascaria com seu choro.
- Carlos, como você... como você me chama e fala uma coisa dessas? - Não haveria tentativa que fizesse Maitê parar de chorar. Também convenhamos, onde já se viu acabar relacionamento numa churrascaria do Flamengo?

- Cupim?
- Ahn?
- O senhor aceita Cupim? A madame?
- Não, não... sai daqui com isso! - Carlos espantou o garçom para longe da mesa.
- Amor, pára de chorar, vai!
- Chuleta na brasa?
- Não, obrigado!
- Baby beef?
- Não, porra, não quero! Eu coloquei aqui esse negócio virado pra cima, tá vendo? Esse cartãozinho vermelho com um porco dizendo "não, obrigado" não é pra isso? Não quero, não quero baby beef nenhum então, porra!
- Desculpe, senhor...

Carlos Eduardo então voltou-se para Maitê que parecia um pouco mais calma e agora só bufava, os olhos ainda marejados fustigando o namorado, odiando toda aquela situação, as famílias barulhentas,o cheiro de gordura no seu cabelo e toda a extensão do bairro do Famengo.
- Maitê... Sejamos razoáveis! Nós dois sabíamos que isso não ia dar certo, né? - Carlos buscou a concordância da namorada tentando segurar suas mãos, que ela rapidamente desvencilhou.
- Não seja assim, ora bolas! Você assim está me tolhindo, Maitê!!!
- Te tolhindo? Te tolhindo, Carlos Eduardo?
- Você entendeu o que eu quis dizer...
- Eu não entendi nada, NADA! Você me traz pra uma churrascaria rodízio no meio de um domingo dizendo que precisávamos ter uma conversa séria e tudo o que tem a me dizer é que não é da sua natureza ter uma mulher só? - Maitê começou a demonstrar um crescendo de fúria feminina que fez com que Carlos, por via das dúvidas, tirasse de perto dela as facas e demais objetos cortantes na mesa.
- Calma, amor, você entendeu tudo errado...
- Entendi errado? Entendi errado? O que tem para entender errado em "não sou homem de uma mulher só", seu canalha?
- Amor, por favor, os outros...
- Os senhores querem ver o carrinho de sobremesa?
O carrinho de sobremesas foi demais para Maitê:
- NÃO! Sai daqui agora! O senhor ainda não notou que esse crápula está aqui acabando comigo no meio de uma churrascaria?! Você não conseguiu perceber isso, seu imbecil?!!! - berrou uma desconsolada Maitê, muitos decibéis acima, cagando pratos para todas as famílias no salão.
- Tem certeza que não quer experimentar os profiteroles?
- SAAAAAAI DAQUI!!!!!
- Amor, come um doce que de repente te acalma...
- Você escute bem uma coisa, Carlos Eduardo: eu vou me levantar dessa mesa agora e estarei esperando no carro. Eu acho muito bom que você esteja lá em cinco minutos e, ou pense muito bem nessa sua conversa séria, ou me leve daqui direto para acabar comigo numa joalheria! - E levantou-se caminhando em passos firmes no piso escorregadio em direção ao estacionamento. Uma mulher que sabia se impôr.
- ...
- Sobremesa, então, nem pensar, né senhor?

4 comentários:

Unknown disse...

Acho engraçado quando leio algo que não consigo imaginar a pessoa que escreveu contando, inventando ou vivenciando. Como você narra exatamente o Porcão Rio's? Digo, suponho que nunca tenha entrado no estabelecimento e tenha tirado a experiência de alguma churrascaria rodízio que tenha ido com alguém da sua família há 10 anos. Ou posso estar bem enganado e você já ter inclusive terminado um relacionamento numa delas, vai saber...

Menezes, o cretino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Menezes, o cretino disse...

Mas se eu não vivenciei, ou eu estou retransmitindo (contando), ou eu estou inventando. Nesse caso, posso dizer que foi um pouco dos dois, hehehe!

Eu realmente nunca pisei no Porcão Rio's, mas o clima de uma churrascaria rodízio é facilmente compreendido por qualquer um, então, nessa narrativa em específico, isso não faz muita diferença. À princípio, eu nem citaria o nome do lugar, para que ficasse num plano mais geral.

E não, nunca acabei relacionamento algum em churrascaria, restaurante a quilo, lanchonete, botequim...

Ivan "o terrível" disse...

Eu, particulamente daria um "tapanacara" da guria,pegaria pelos cabelos,jogaria em cima da mesa e faria aquilo que pobre faz todo dia; como se chama mesmo?....Haa, lembrei... SEXO; sim, eu faria SEXO com ela em cima da mesa, afinal a última trepada é que é a inesquecível.(imaginem a cena) E foda-se o mundo que eu não me chamo Raimundo.