quarta-feira, setembro 19, 2007

Lá na rua o bagulho tá doido

Todo dia eu tenho que acordar cedo pra dar tempo de chegar na estação de metrô antes que os vagões fiquem insuportavelmente lotados. Geralmente quando eu acordo, minha esposa Elizabete já está de pé, o café preto e forte já na garrafa térmica e duas torradas com margarina sobre o prato. Não temos empregada, então é minha mulher quem faz o café, o almoço e a janta lá em casa. Ela não cozinha muito bem, mas é o que a gente pode fazer agora.

Acabei de ser promovido na firma onde eu trabalho. Comecei lá há sete anos atrás, era estagiário. Assim que ganhei a promoção, o meu chefe de departamento me disse que seria melhor eu comprar um terno, um sapato novo e uma pasta. Aquela bolsa preta transpassada no peito era coisa de universitário, não condizia com minha nova posição ali. Eu quis comprar uma dessas pastinhas de executivo, com segredo e detalhes em dourado nas quinas, mas só deu pra arrumar uma imitação vagabunda, com aqueles prendedores de ferro e o interior forrado de papelão. Ela tá meio capenga por dentro de tanto que a usei pra me proteger das chuvas que caem no Centro nessa época do ano, o papelão já quase se desfazendo, mas é minha pastinha de 007. Me sinto executivo de verdade com ela.

Saio do sobrado onde a gente mora e tenho que caminhar uns nove quarteirões. Pegar ônibus não vale à pena, já que a empresa não dá vale-transporte, e eu também não tenho carro. Eu e a Elizabete demos entrada num consórcio pra tirar um golzinho 94. É velho, mas vai ser nosso! Até lá vou caminhando, não me importo. O bairro onde a gente mora tem ficado mais perigoso, eu não deixo a Elizabete andar por aqui quando fica tarde, muito nóia, muito malandro, sabe? Mas de manhã é sossegado e eu até gosto da caminhada. Faz bem pra saúde, né?!

Apesar da pressa em chegar à estação de metrô, nunca deixo de cumprimentar todo o pessoal. Moramos aqui há um tempo já e conhecemos todo mundo, então é sempre "bom dia, vizinha!", "e aí, mano?" pelos nove quarteirões. E agora na esquina de casa apareceu um mendigo. Ele chegou na rua não tem muito tempo, já ouvi estórias de que é marginal, assaltante de casa, que tentou estuprar uma menina. Acho que é malediscência do povo. Sabe como é, uma gente boa, mas muito idosa, de outra época. Eles ficam mais assustados. Eu não, passo e cumprimento o mendigo também. Jogo sempre uma moeda pra ele. Outro dia mesmo, acho que foi anteontem, dobrei a esquina e tava ele lá, deitado. Me olhou e eu cumprimentei abanando a folha de esportes. Procurei no bolso com a outra mão, joguei pra ele uma moeda de dez centavos e continuei minha caminhada. Não dá pra perder tempo.

Agora, louco mesmo foi ontem. Eu acabei tendo que fazer serão e cheguei em casa já tarde, quase que eu perco o último metrô. Uns problemas lá na firma, não quiseram me dizer o que era, mas eu e mais uns cinco tivemos que passar umas quatro horas recalculando uns bagulhos. Parece que alguém lá de cima fez merda... Putz, não gosto nem de comentar. Então, cheguei ali pela rua e já era tarde, tudo escuro. Há uns cem metros de casa um cara sai e pula em cima de mim. Me cravou um negócio entre as costelas, acho que era faca, sei lá que porra que era. Nem deu tempo de nada, mano. Caí ali mesmo. Morri. Os vizinhos só se deram conta no dia seguinte e o pessoal se revoltou mesmo. Doido essas coisas que acontecem, logo agora que tava tudo dando certo, né? Acho que quando Deus quer, Deus chama a gente e já era.

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