domingo, setembro 23, 2007

A poesia só estraga o amor

Quando Mariana ligou dizendo que gostaria de encontrar com Vítor, esse não poderia estar mais tranquilo. Quando ela então explicou que eles precisavam conversar, o namorado não teve com ignorar uma pontada aguda no meio do peito escorrendo fria até a boca do estômago. Namoradas precisando conversar com seus respectivos é sempre sinal de problemas. Vítor era um homem que sistematicamente fugia dos problemas, principalmente os de ordem sentimental. E o fazia de forma assumida, não se envergonhava dessa pretensa covardia. "Ora bolas, quem afinal gosta de ter problemas?". Com alguma relutância dele, acabaram marcando um encontro no calçadão do Leblon no fim da tarde, já que ele precisava terminar um projeto (mentira) e ela havia combinado um almoço com a mãe. O fato de Mariana concordar em adiar o encontro até mais ou menos às cinco e pouco deixou Vítor aliviado. Problemas sentimentais femininos costumam ser urgentes, não permitem num um copo d'água antes de resolvê-los. Se ela poderia esperar até o fim do dia, não havia de ser tão grave.

Mariana chegou antes e sentou em um banco em frente à praia esperando pelo namorado. Vinte minutos depois ele chegou e não pode deixar de notar que ela trajava um sobretudo. Por mais que de conhecimento comum fosse o fato de que o inverno naquela faixa específica do Leblon é deveras mais rigoroso que nos demais cantos da cidade, o traje ainda era extremamente exagerado. Dramaticamente exagerado seria mais acurado dizer, Mariana era uma mulher que gostava de situações melodramáticas. Vítor poderia apostar que o traje, a locação e o horário foram todos pensados previamente pela namorada. Ele sempre detestou essa característica dela, mas não poderia mentir que, já que ela precisava conversar com ele (o que ele estava, a essa altura, certo de que significava uma discussão extensa e estressante sobre a relação amorosa do casal), que fosse em um local público e aberto. Vítor era da crença que os locais intimidavam reações mais passionais e que tudo podia ser mais facilmente contornado quando se estava sob o excrutinio do olhar de desconhecidos. Prova de que ele não entendia picas da alma feminina!

- E aí?
- Oi.
- Então, você quer me falar alguma coisa?
- É, acho que a gente precisa conversar.
(A gente não, porra, quem provavelmente precisa falar - e sem interrupções - é você!)
- É.
- Senta. Senta por favor.
(Xiii, pediu pra sentar. Nunca é um bom sinal quando ela resolve começar uma conversa com esse pedido específico)
Vítor sentou.
- Então...
(Puta merda, piorou! Se ela me pede pra sentar e começa a frase com um 'então' sucedido de uma pausa dramática tudo está perdido!)
- Vítor, a verdade é que nós andamos muito afastados...
(Porra, tamos afastados porque você disse que precisava de espaço e que o meu comportamento era meio sufocante às vezes!!!)
- É, eu entendo.
- ... E eu acho que isso acaba colaborando pra que, não sei, a gente fica mais fragilizado. Como casal, eu digo.
- Hã?
- Ah Vítor, você me força a ser dura com você. Por que você faz isso comigo?!
- Hã?
- Aconteceu, Vítor! Aconteceu, tá? Essas coisas a gente não planeja e, quando vê, já foi.
- Opa, peraí, peraí... O que você tá querendo me dizer aqui, hein?!
E essa é provavelmente a pergunta mais cretina e inútil que alguém pode pensar em fazer no meio de uma discussão desse tipo. Pois geralmente quando se chega ao ponto de perguntar, você já tem certeza absoluta do que a outra pessoa está falando e só é possível ser mais explícito sendo gráfico!
- Foi com o Fábio. A gente saiu um dia depois do trabalho e... bem, e rolou.
- ...
- Acho que eu tava meio bêbada. Não sei, pode ter sido sua indiferença também... Você é muito distante, muito fechado!
(Ah tá, você sai, bebe e me trai e a culpa é minha?)
- Qual Fábio, Mariana? Qual Fábio que foi?
É que na turma de Vítor e Mariana haviam quatro Fábios. Tinha o Fábio que lutava jiu-jitsu e de quem Vítor não desconfiava porque, no fundo, achava que Mariana estava aquém das expectativas estéticas do amigo; Tinha o Fábio namorado da Patrícia de quem sempre se comentava que parecia afetado e alegre demais da conta; Tinha o Capixaba que fora batizado como Fábio, mas que a turma só chamava pelo apelido a despeito de ele viver já há 17 anos no Rio; E tinha o poeta. Caralho, de todos Vítor só não poderia admitir...
-Foi o Fábio poeta.
(Fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiilha de uma puta!!!!!)
- Porra Mariana, o Fábio poeta? O Fábio poeta, não! O Fábio poeta você acaba comigo!
- Vítor...
- O que? O que que foi? O que você viu nesse merda? Ele fez o que pra te conquistar, escreveu a porra de um versinho?
- Vítor, calma
- Calma é o caralho!!!
E Vítor mandou às favas suas próprias teorias de que sob o excrutinio do olhar público vexames eram inibidos.
- Vai tomar no cu! Eu admito qualquer coisa, poderia até perdoar a traição, mas ficar com o poeta é foda. Vai se fuder! Piranha!
A honra e a hombridade ferida de Vítor estavam mais ligados a uma espécie de comparação subjetiva que Mariana estaria fazendo ao escolher o poeta que ao fato de ter tido seus sentimentos magoados pela namorada.
- Vítor...
- Cala a boca! Cala a boca! Não fala meu nome. Nunca mais. Eu quero que você e o poeta se casem, tenham filhos e que eles sejam batizados de Chacal e Waly Salomão e que vocês tenham que sobreviver da venda no Baixo Gávea de livros de poema mimeografados, tá legal?!
- Vítor, me escuta!
- VAI À MERDA!

E Vítor se retirou da conversa cagando pratos pra porra do olhar público e da merda do excrutinio de estranhos no calçadão do Leblon. Na realidade, até esbarrou no carrinho de bebê de um casal que parou para observar a discussão demonstrando sua desaprovação com aquela baixaria ali na frente da boa gente do bairro. Não deu nem tempo de Mariana explicar que o poeta broxou e que ela queria mesmo uma segunda chance. 'Deitado na rede/ Uma voz grave me sussura histórias de Iemanjá'... "Puta merda, onde eu tava com a cabeça?", ela pensou sem conseguir conter o choro.

5 comentários:

Unknown disse...

ahahahiaiuhaa! mto bom Menezes!

acho uma merda ler textos na tela do cpu mas seu espaço merece o "confere" todos os dias antes de dormir!
Queria ler aqui um dia seus comentários sobre o "Tropa de Elite", se é q vc pilha de escrever sobre eheh!
abrá
Guga

V.S. disse...

tá escrevendo pracario hein rapá!
sensacional isso ae!

e que não me falem mais nessa tal de Bebel, e como Pitanga roubou a cena como a puta do calçadão de copacabana!
abrá,
vitão

Sofia Florence disse...

puta merda.
eu ficava com um moleque que fazia poemas, eu tentava ignorar este fato imundo e me concentrar nas outras qualidades do rapaz. Pra quê??! o infeliz resolveu escrever uma poesia para mim, nao durou mais uma semana o namorinho.

Menezes, o cretino disse...

Hahahahahaha! Se você tivesse contado antes, eu mudava o final pra isso. Muito bom! Acho que vou deixar passar um tempo pra você não achar que além de papagaios eu tenho algo contra poetas (mas eu tenho mesmo!) e escrever um conto baseado nesse caso.

Dani disse...

Genial Menas, GENIAL!!!!!!