segunda-feira, setembro 17, 2007

O Sonho

Supermercados sempre tiveram um cheiro doce pra mim. Eu gostava de passar a mão sobre a esteira dos caixas e pescar na palma os restos de açucar e farinha que escorriam dos pacotes. Lambia feliz o que ficava grudado.

Mas o que realmente me atraía dentro dos supermercados era a seção de padaria. As seções de padaria dos supermercados eram melhores que as padarias reais. Eram mais plásticas, mais coloridas e mais artificialmente doces. Não me importava com os chocolates que as empregadas compravam para os filhos de suas patroas ricas. Os biscoitos recheados vagabundos que alunos da rede pública levavam como merenda nunca despertaram minha atenção. Só a seção de padaria atraía meu olhar sempre faminto. Era no balcão refrigerado da seção de paradaria que repousava o sonho. O vidro que suava discretamente por dentro a me separar do sonho. Redondo, macio, estufado, com o recheio saindo por sua abertura como um beiço amarelo, acrílico, polvilhado de pedaços de açucar cristal que pareciam minúsculas jóias. Eu encostava as mãos e o nariz e a boca aberta, a língua tocando o vidro na esperança de sentir o sabor que o sonho emanava.

Certo dia um senhor me viu ali e me comprou um sonho. Fiquei com muito medo de dar uma dentada. E se o sonho não correspondesse às expectativas que meu cérebro e estômago criaram durante todo aquele tempo? E se o beiço acrílico fosse duro e quebrasse meus dentes? Engoli aquilo quase sem morder, levando-o da mão para o fundo da barriga em instantes. Ainda assim, o sonho que eu não degustei por medo de desapontar a mim e a ele foi a melhor refeição que fiz até hoje. Não realmente, claro, mas na minha memória afetiva ela ficou dessa forma acomodada.

Agora o sonho está ali, parado e esquecido na seção de padaria. Olhando agora ele parece murcho, sem graça, seu beiço amarelo um pouco nojento. Ele não reluz, está seco, e não há mais cristais de açucar como jóias. Ainda assim me dá vontade de saltar o balcão e experimentá-lo novamente. Uma dentada que seja, mas o filha da puta do vigia tá sangrando demais. E a piranha da caixa não pára de berrar. Se ela continuar berrando eu vou ter que atirar nela também e eu não gosto de fazer confusão nessas situações. Porra, era pá pum, pega a grana e já era. Mas tem sempre um filha da puta sonhando ser herói. Assaltar supermercado, que merda do caralho...

5 comentários:

Unknown disse...

já disse e repito, seus textos são fodas demais, simples e diretos, e acho q é nisso q eu me identifico tanto. Mensagens pápum, 3 acordes, sem firulas de teclatarra, é esse o espírito e o futuro-presente da literatura, pelo menos pra mim eheh. se um dia tu lançar um livro, e tu vai lançar um dia, eu quero ilustrar um conto, a capa, o berço, o respiro, o q for!
uabrá

Unknown disse...

não sei pq apareceu Limonada, deve ser meu gmail, fui eu, Felipe Guga, q postei agora eheh!
abrá

Menezes, o cretino disse...

Valeu mesmo, Gagu! Eu fico feliz em saber que gente boa vem atrás desse blog, hehehe!

Unknown disse...

Parece um teaser de um filme do Robert Rodriguez que ainda não existe.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.